21-09-2021
A Península Ibérica possui milhares de esculturas policromadas medievais das quais apenas cerca de duas dezenas estão integralmente estudadas, consequência da falta de equipas interdisciplinares especialistas nestes estudos.
Arqueologia da Cor, um projecto financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, propõe identificar as escolhas tomadas na decoração da escultura medieval portuguesa, mas sobretudo as razões que poderão ter levado a essas escolhas, através de um estudo transdisciplinar da colecção do Museu Nacional de Arte Antiga que cruza as ciências naturais e as humanidades.
Estudos preliminares recentes de um grupo de investigação do DCR FCT NOVA sobre materiais e técnicas utilizados pelas oficinas activas na Península Ibérica na decoração da escultura medieval, revelaram resultados inesperados que o actual estado da arte não explica e que desafiam alguns paradigmas enraizados:
A preferência pelo uso sistemático de cores quentes nas camadas de preparação das esculturas de pedra, contrastando com as preparações europeias tipicamente brancas;
A presença persistente do pigmento índigo, contrastando com o uso preferencial de azurite ou lápis-lazúli noutras regiões da Europa.
A utilização de cores claras em determinadas iconografias, que lhes conferia um aspecto visual muito diferente do que hoje se observa;
A adopção ou a independência de eventos de práticas que existiram em regiões e cronologias muito distantes, revelando que muitas sobreviveram por séculos e foram praticadas muito além das fronteiras europeias.
Dada a surpresa destes resultados considerou-se fundamental verificar se efectivamente as policromias estudadas destas obras de arte seriam as originais. Para tal, recorreu-se à datação por radiocarbono de amostras de tinta das esculturas em pedra policromada, uma aplicação inovadora realizada neste projeto. A datação por radiocarbono tem sido frequentemente utilizada para datar materiais orgânicos de esculturas em madeira mas a sua aplicação a esculturas em pedra nunca tinha sido tentada. De facto, os resultados da datação por radiocarbono, publicados na revista Scientific Reports (Sá et al., 2021), confirmam que se tratam das policromias originais destas esculturas.
Sara Sá, Laura Hendriks, Isabel Pombo Cardoso, Irka Hajdas 2021, Radiocarbon dating of lead white: novel application in the study of polychrome sculpture, Scientific Reports 11:13210, https://doi.org/10.1038/s41598-021-91814-y