20-04-2020
Investigadores do Departamento de Química e do Departamento de Conservação e Restauro da FCT NOVA integraram equipa interdisciplinar que desvendou a complexa estrutura química do corante azul/púrpura utilizado na iluminura de manuscritos medievais. Os resultados obtidos neste trabalho de investigação são um importante contributo para a preservação do património cultural e foram agora publicados na revista de topo Science Advances.
O estudo foi desenvolvido por um grupo interdisciplinar de químicos e de cientistas da conservação, do Laboratório Associado para a Química Verde (LAQV-REQUIMTE), tendo contado ainda com a colaboração de uma bióloga da Universidade de Lisboa com amplos conhecimentos da flora Portuguesa que supervisionou a recolha dos frutos e permitiu encontrar e identificar a pequena planta, Chrozophora tinctoria.
De todos os corantes medievais o folium medieval é o único cuja estrutura química era desconhecida. Maria João Melo, investigadora do LAQV na FCT NOVA explica que “o folium é extraído dos frutos da planta Chrozophora tinctoria, nativa em Portugal, e que o seu azul/púrpura foi utilizado durante a Antiguidade e Idade Média, principalmente na iluminura de manuscritos preciosos. No entanto, o conhecimento das suas propriedades medicinais e tintoriais perdeu-se no final do séc XIX”. Sabe-se que a planta Chrozophora tinctoria era utilizada numa indústria em Gallargues-le-Montueux, em França, onde se capturava este azul em trapos que eram exportados para a Holanda, onde esta cor era utilizada para tingir de vermelho a crosta do queijo holandês (o nosso queijo flamengo).
Os investigadores procederam ao estudo de documentos medievais e baseados nas descrições detalhadas selecionadas de três tratados medievais, determinaram a melhor época para a recolha da espécie e a melhor forma de extração do corante. A planta foi encontrada no Alentejo (Granja / Mourão) e os frutos foram colhidos durante o verão. Paula Nabais, investigadora do Departamento de Conservação e Restauro e primeira autora do estudo, explica que “os extratos obtidos apresentaram um corante azul como principal componente. Esta molécula foi isolada, purificada e caracterizada através de uma metodologia multianalitica, na Universidade do Porto, sob a coordenação de Victor Freitas e Joana Oliveira e em colaboração com Artur Silva da Universidade de Aveiro. O trabalho de purificação e caracterização foi moroso até conseguirmos obter as condições ótimas”. Os investigadores denominaram chrozophoridina a esta molécula do azul. A descoberta foi de grande impacto, pois "a molécula que está por trás do folium, a chrozophoridina, foi utilizada desde a antiguidade para dar corpo a um belo azul usado para pintar, não sendo nem uma antocianina como as que se encontram em muitas flores e frutos, nem índigo, o mais estável dos corantes naturais para o azul. Constitui, por si só, uma nova família de compostos", conclui Maria João Melo.
No património cultural, a compreensão e prevenção dos mecanismos de degradação, passa pelo conhecimento destas moléculas históricas, e pela recuperação de um saber fazer que se perdeu. Apenas desta forma será possível identificar o folium em obras de arte e estudar as suas propriedades, possibilitando novas estratégias de conservação.
Os investigadores acrescentam que “inspiradas no uso deste corante no passado, poderão desenvolver-se novas aplicações, tais como corante alimentar com propriedades bactericidas."
Video: A história do azul medieval
Na imprensa
“Investigadores portugueses revelam estrutura da cor azul usada em iluminuras medievais” (RTP)
“Solving the 1000-year-old mystery of rare blue medieval paint” (CNN)
“Cientistas portugueses resolvem o mistério do corante azul medieval” (Público)
“Cientistas portugueses resolvem mistério milenar: o azul do tornassol-dos-franceses” (Expresso)
"Um mistério de 1.000 anos desvendado" (SIC)
"Investigadores portugueses revelam estrutura da cor azul usada em iluminuras medievais" (Visão)
“Ancient recipes led scientists to a long-lost natural blue “ ScienceNews
“Solving the mystery of a medieval blue hue” (c&en)
“Investigadores portugueses revelam estrutura da cor azul usada em iluminuras medievais” (Impala)
“Investigadores portugueses revelam estrutura da cor azul usada em iluminuras medievais” (Informa+)
“Investigadores revelam estrutura da cor azul usada em iluminuras medievais” (Notícias ao Minuto)